Marrocos 2005
Viagem ao sabor da aventura (como habitualmente as fazíamos). Com um percurso geral definido, que incluía após aterragem em Casablanca, ida a Maraquexe, trekking às montanhas do Atlas, passagem por Essauiora (antiga Mogador), pelo vale de Dadés, por Merzouga (com uma possível ida ao deserto para ver o pôr-do-sol nas dunas), por Fez, por Rabat e regresso a Casablanca.
Após a aterragem em Casablanca, aluguer de jipe e arranque para Maraquexe onde chegamos pela Palmerie (um oásis de palmeiras a perder de vista que é um excelente cartaz de visita e um bom enquadramento para a cidade).
A cidade rosa fervilha de movimento e, apesar dos 40 graus às 3 da tarde, começamos a nossa exploração … a praça Jna-El-Fná com as suas características barracas de venda de sumo de laranja natural, feito na hora à frente dos clientes (e é tão barato, a 30 cêntimos o copo!), a possibilidade de fazer uma tatuagem/pintura de hena (pinturas associadas a celebrações normalmente conjugais e formas de sedução feminina – quanto mais elaborada e intricada maior a possibilidade de agradar ao elemento masculino), os “tratadores” de cobras com os quais podíamos pousar com a dita cobra para a posteridade de uma fotografia (o susto que eu apanhei, quando ao estar a fotografar um dos elementos do grupo que estava cheio de vontade de pegar na cobra para a fotografia de repente tenho o senhor marroquino a me tirar a máquina da mão e a me colocar com uma cobra também para a foto…ai! Entretanto a dita estava meio dopada pois mal se mexia e era necessário segurá-la bem para dar um ar realista à foto).
A transformação que se vê pelo final da tarde com a montagem das barracas de comida – a cacofonia de palavras em árabe e em francês, o festival de cores e de aromas que nos enche o olhar e o olfacto, a alegria da venda e da negociação para ganhar o cliente (a concorrência é vasta e a oferta também, desde a típica comida marroquina até algumas especialidades mais exóticas).
E no dia seguinte cá vamos nós a entrar numa agência de animação turística para reservar 2 dias de trekking no Atlas com dormida num albergue de montanha! (Quem diria que eu conseguiria convencer este grupo a fazer passeios a pé?!)
…albergue de montanha…aldeia básica…compra de laranjas na “lojinha” da aldeia…o leito seco do rio com imensas pedras de calhau…as nogueiras junto ao rio…a aridez da montanha…as construções que se confundem com a paisagem…o encontro com um aldeão e o seu burro que transportavam "coisas" de uma aldeia para outra…a chuvada que fez e nos deixou todos num pingo, para daí a pouco o sol brilhar novamente, as broas de mel típicas da ilha da Madeira que levei e partilhamos com o guia… a aldeia/retiro no cimo do monte…a vista para o Toubkal no passo da montanha…
Algo especial e que ficou na memória de todos! Afinal já viajamos juntos há algum tempo e precisamos de actividades diferentes. Foi interessante e abriu-nos perspectivas de outras actividades para as viagens.
Essaouira
Ainda estava a decorrer um Festival de Música do Mundo.
Gostei de Essaouira. Foi um local que me fez sentir em casa. Não sei se foi o porto de pesca, as gaivotas, a muralha ao redor, a arquitectura, a praia, a comida, mas senti-me em casa.
E continuo a perguntar-me de onde me vem à frase: "Essaouira meu amor"?
Deserto - dunas de Merzouga
Tínhamos definido uma possível ida ao deserto para ver o pôr do sol nas dunas. Claro está que, quando se parte à aventura mas se tem um número limite de dias, nem sempre se consegue fazer tudo o que se pensou, pelo que à medida que os dias iam passando, a ida ao deserto parecia cada vez mais distante … quase a ser cancelada.
Não fosse o acaso me ter feito enganar (nesse dia estava eu ao volante do nosso carro de aluguer) no percurso para visitar uma kasbah (construção fortificada que servia de defesa à comunidade). O que nos fez encontrar um marroquino cheio de vontade de ganhar uns trocos como contrapartida de nos mostrar a kasbah e que nos falou do seu primo que tinha uma loja à qual nos convidou para tomar um chá de menta. Primo este que, ao saber que queríamos ir ao deserto, nos indicou outro primo (!) que também tinha uma loja e que organizava viagens ao deserto. E lá nos deu as indicações certas para chegar à loja do primo (que ficava um pouco fora do percurso da cidade).
Eu, cheia de vontade de ir ao deserto, fiz todos os esforços para chegar a tempo à loja do primo do primo …
Ritual do chá (neste dia batemos o recorde, acho que já vamos em 7 ou 8 chás – oferta de cortesia, impensável recusar), ritual de negociar o preço da viagem ao deserto, desconto adicional recebido pelo facto de termos o cartão do primo – “se são amigos do meu primo, são meus amigos”, convite para almoçar no dia seguinte – “e como são amigos do meu primo amanhã quando voltarem do deserto almoçam comigo, vamos ter uma especialidade do Sahara”
E conseguimos! Não vimos o pôr-do-sol nas dunas, mas pernoitamos no deserto, sob um céu onde as estrelas estavam à distância de um braço, a ouvir música berbere tocada e cantada pelos nossos guias, a partilhar uma refeição cozinhada só para nós a quilómetros da civilização.
E quando pediram que cantássemos nós é que foi o bom e o bonito – não temos ninguém com ouvido para a música nem voz para o canto e a nossa geração perdeu o sentido de partilha de sentimentos através da expressão musical espontânea. Desde quando perdemos a tradição de cantar em grupo/família/comunidade para celebrar sentimentos (alegrias, tristezas, despedidas, encontros, amores, nascimentos, mortes)? Em quase todas as culturas era uma forma de estar e estreitar laços comunitários … - a vida nas cidades e perder os laços com as nossas raízes tem destas coisas.
Enfim, o “Malhão, Malhão” e o “Bailinho da Madeira” tiveram de fazer as vezes, com os elementos continentais do grupo a reclamarem (mas como não tinham sugestões, tiveram de pelo menos bater palmas para acompanhar!)
Estava uma noite bonita e a lua ainda cheia fez companhia às estrelas – eu que adoro o reflexo da lua no mar, achei o brilho na areia algo de sublime.
Com demasiado calor para dormirmos na tenda berbere que estava montada no nosso acampamento, os sacos cama por cima de umas mantas foi tudo o que necessitamos para passar a noite. Dormir era o objectivo, mas vindo sabe-se lá de onde (afinal nós nem sabíamos bem onde estávamos) começa-se a ouvir um gato a miar … a meio da noite … no meio do deserto… Deve ser karma, penso eu que adoro gatos! E a muito custo conseguimos dormir aqui e ali, depois de eu ter decidido que mais valia aconchegar o gato no meu saco cama a ver se ele se decidia também a dormir… foi sol de pouca dura, mas proporcionou um breve descanso!
E de manhã, bem cedinho (5:20), lá subimos a duna para ver o nascer do sol. E aqui apercebo-me pela primeira vez do efeito de miragem e de quão enganadora ao olhar é a distância – uma duna que parecia ser algo que em 10 minutos estaria escalada, demorou 30 minutos a subir. Mas vale bem a pena. O nascer do sol é deslumbrante! Assim como deslumbrante é a cor da areia quando batem os primeiros raios de sol – passa-se de uma cor acastanhada mortiça para um vermelho dourado que nos faz acreditar em milagres.
Ah, o nosso amigo gato fez questão de nos acompanhar ao cimo da duna (o que foi bom, pois depois de muitas escorregadelas apercebi-me que o gato sabia o melhor caminho para não derrapar!)
Descida para o acampamento, tomado o pequeno-almoço (com chá de menta, é claro!), desmontar o acampamento, guardar os sacos cama e preparar-nos para viagem de regresso antes que o sol se torne demasiado quente para a travessia.
Impressionante como as dunas parecem todas iguais, sem um ponto de referência no horizonte que nos permita situar geograficamente (“os camelos conhecem o caminho” diz-nos o guia a rir).
O percurso de volta traz-nos à estalagem onde tínhamos deixado a bagagem e onde deixamos o gato trazido do deserto por um dos guias. (a responsabilidade em não deixar o animal no deserto foi mais uma lição para a indiferença generalizada para o que se passa à nossa volta… cada acção individual tem consequências…)
Regresso à loja do primo que nos faz uma pequena visita guiada à “Medina” – acabamos por descobrir que ele é a pessoa mais importante daquela pequena aldeia!
O almoço chega (foi cozinhado no forno comunitário e ainda traz a etiqueta com o nome da família para identificação - que delicioso!), é estendido um dos tapetes que está à venda no chão da loja, somos informados que temos de tirar os sapatos, sentamo-nos no tapete, a refeição é colocada a meio, são retiradas peças de louça da loja especialmente para nós (apercebemo-nos que a comida deveria ser comida à mão) – uma “pizza do Sahara” – uma espécie de empadão de carne temperado com picante, muito bom. A acompanhar chá de menta, pois claro. E melancia para sobremesa que foi muito refrescante depois do picante do empadão.
Que mais pode uma alma nómada desejar?